Bioshock
Não tem o homem direito ao suor de sua fronte? ‘Não’, diz o homem em Washington, ‘ele pertence aos pobres’. ‘Não’, diz o homem no Vaticano, ‘ele pertence a Deus’. ‘Não’, diz o homem em Moscou, ‘ele pertence a todos’. Eu rejeitei essas respostas; ao invés eu escolhi algo diferente. Eu escolhi o impossível. Eu escolhi... Rapture!” ![]() Com esse breve discurso, o fundador de Rapture, Andrew Ryan, apresenta e sintetiza para o jogador os princípios que nortearam a criação dessa cidade submarina, onde se passa o jogo Bioshock. E é também um convite para megulharmos numa aventura com uma história complexa, envolvendo questões políticas, filosóficas, morais e científicas, com direito a muita ação e suspense pelo caminho. Bioshock revelou-se uma grande surpresa justamente pela profundidade de sua história e a forma que é desenvolvida, desmistificando a idéia de que seria apenas mais um jogo de tiro em primeira pessoa. E não é sem mérito que se consagrou como um dos melhores jogos de videogame de 2007, tendo recebido vários prêmios como resultado. O jogador assume o papel de um homem misterioso chamado Jack, que após uma queda de avião no meio do oceano tem acesso à entrada de Rapture, uma cidade completa construída pelo visionário Andrew Ryan no fundo do mar. Logo em sua chegada, presencia o assassinato de um homem por um ser humanóide de características estranhas e aparentemente perturbado mentalmente. A partir desse momento, passa a ter contato por rádio com Atlas, que oferece orientação em troca de ajuda para salvar sua mulher e filho que estão presos em algum lugar da cidade. Aos poucos, Jack passa a ter maior conhecimento sobre a história da cidade e de seus habitantes, através principalmente de diários em áudio que encontra espalhados pela cidade. Cada gravação dessas representa uma peça do complexo quebra-cabeça que forma a história de Rapture. Se fôssemos tentar enquadrar Bioshock em apenas um estilo de jogo, seria realmente o de tiro de primeira pessoa, mas contendo também elementos de exploração, evolução de personagem e um sistema simplificado de moralidade, características mais presentes nos estilos adventure e RPG. Em relação ao estilo de jogo de tiro, tem o diferencial de contar com poderes diversos decorrentes de modificações genéticas geradas por diferentes Plasmids que se encontram no decorrer do jogo. Entre esses poderes estão a capacidade de desferir choques elétricos, atear fogo em pessoas e objetos, congelamento, telecinese e até mesmo a possibilidade de enviar um enxame de abelhas em direção aos inimigos. Foi justamente o uso exagerado dessas modificações genéticas que levou os habitantes de Rapture a perderem sua sanidade mental, tornando-se splicers, os inimigos mais comuns do jogo. Mas Jack também conta com um vasto arsenal de armas mais tradicionais. Também tem a possibilidade de “hackear” equipamentos de segurança para trabalharem ao seu favor, ao invés de atacá-lo. ![]() A questão da moralidade envolvida no jogo resume-se a uma escolha: salvar as Little Sisters ou matá-las. As Little Sisters são crianças portadoras de um parasita marinho que produz ADAM, uma substância que possibilita mudanças genéticas (como os poderes gerados pelos Plasmids), e que funciona como uma moeda de troca para melhorias do personagem no jogo. As Little Sisters são protegidas pelos Big Daddys, seres vestidos com enormes roupas de mergulho e que representam os mais difíceis inimigos no jogo. Após eliminar o Big Daddy, o jogador pode escolher entre extrair o máximo de ADAM da Little Sister, matando-a para ter maior benefício imediato, ou salvá-las, obtendo menos ADAM, mas com a promessa de uma recompensa posterior feita por uma personagem. |
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Bioshock possui menus simples e de fácil navegação. Um ponto positivo é a organização da tela de opções, que embora extensa não deixa de ser agradável visualmente, e evita que tenhamos que navegar por várias páginas até achar a opção que interessa. Se, a partir da tela de título, não apertarmos logo o Start, após alguns segundos tem início um pequeno mas bem elaborado trailer do jogo, no qual um homem ataca uma Little Sister e acaba num violento confronto com um Big Daddy, já evidenciando o tipo de inimigo que o jogador encontrará pela frente. Essa cena também simboliza a entrada do jogador no “espírito do jogo”, iniciando com imagens do cenário e depois uma visão em terceira pessoa desse homem, para então a câmera “entrar” na cabeça dele, passando à visão em primeira pessoa. Ao contrário do que se possa imaginar, esse homem não é o Jack, o que pode ser evidenciado pela falta das tatuagens nos braços. Uma vez iniciado o jogo, tudo o que se vê na tela representa a visão do personagem, não havendo nem mesmo cenas de animação em terceira pessoa, o que colabora ainda mais na imersão do jogo. O jogador vê o que o personagem vê, e sabe o que o personagem sabe (dizer mais que isso já seria estragar as surpresas da história). ![]() Bioshock conta com a possibilidade de download de conteúdo adicional pela Live, já tendo inclusive uma expansão com novos Plasmids e Gene Tonics lançada em dezembro de 2007. |
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Os grandes destaques de Bioshock no quesito de gráficos são os efeitos de iluminação e a representação de água. Água, aliás, é o que não falta no jogo, sendo Rapture uma cidade submersa e em processo de colapso, tanto literal como figurativamente. Assim, há vários pontos de vazamento e inundação demonstrando a qualidade da simulação da água. A animação do jogo é muito fluida, dificilmente apresentando falhas, mesmo nos momentos de mais ação. Mas, mesmo que raramente, elas ainda acontecem. ![]() Outro ponto positivo é o estilo visual adotado pra cidade, que representa uma visão futurista que se poderia ter no período das décadas de 40 e 50. Assim, o que se vê é uma decoração no melhor estilo art-déco. Também chama a atenção positivamente o estilo visual dos desenhos de publicidade e demonstração dos Plasmids, conferindo um leve toque de humor ao jogo. Só é uma pena não ter sido adotado um estilo mais realista na construção gráfica dos personagens, o que poderia colaborar ainda mais no nível de imersão do jogador na experiência de jogo. Há também pequenas falhas gráficas (como, por exemplo, uma que permite que o jogador simplesmente atravesse corpos de Big Daddys caídos no chão), mas que não chegam a comprometer a qualidade final. |
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Bioshock conta com uma trilha sonora fantástica, que pode ser dividida em dois grupos: o de canções populares antigas e o de músicas originais orquestradas. O primeiro grupo ajuda na ambientação do jogo, através dessas músicas sendo executadas em antigas caixas de música (jukebox) ou gramofones. Já as músicas orquestradas colaboram com o clima de suspense e tensão do jogo. Os efeitos sonoros do jogo e as dublagens também são de ótima qualidade, colaborando ainda mais com a tensão. É difícil não ficar nervoso ao ouvir o balbuciar ensandecido de um splicer e não conseguir identificar onde ele se encontra (talvez até esteja acima de você, no teto). Os efeitos usados nas transmissões de rádio e nos diários em áudio (simulando gravadores antigos) apresentam ótima qualidade. Infelizmente também podem dificultar um pouco a compreensão, e as legendas ocasionalmente fora de sincronia podem não ajudar sempre. Felizmente é possível ouvir novamente as gravações e as transmissões de rádio através do menu, com o texto exposto mais adequadamente. ![]() Mas, infelizmente, o áudio do jogo não é perfeito por dois deslizes. O primeiro é a péssima sincronia labial nos poucos momentos em que se fica frente a frente com algum personagem falando. O segundo é a má adaptação do volume às distâncias em que os personagens se encontram. Em alguns momentos, tanto faz se o protagonista está frente a frente com o personagem, ou a vários metros de distância – o volume simplesmente não se adapta de acordo. Ao menos, para encerrarmos positivamente essa parte da análise, podemos dar um destaque especial para as vozes das Little Sisters e dos Big Daddys. Não é preciso nem vê-los: só ouvi-los já é de arrepiar. |
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Bioshock conta com controles fáceis e uma curva de aprendizado bem rápida. Na verdade, o jogo se torna bem fácil com o passar do tempo não só pelo aprendizado, mas também pela evolução do protagonista. Outro facilitador é a presença de Vita Chambers, câmaras onde o jogador ressuscita ao morrer, ficando todo o ambiente ao redor inalterado – ou seja, você for morto em algum momento, você pode simplesmente retomar o combate com os inimigos com os mesmos níveis de energia. Embora isso facilite bastante o jogo, representa um papel interessante na história, e após uma atualização do jogo pela Live se implementou a opção de desativar as Vita Chambers. Jogar no nível difícil e sem as Vita Chambers representa um desafio bem maior.![]() A grande diversidade de armas e poderes permite uma grande versatilidade nos combates, permitindo ao jogador fazer diversas combinações de ataques e também usar o ambiente e equipamentos de segurança hackeados a seu favor. O jogador pode, por exemplo, atear fogo no inimigo e depois, usando telecinese, arremessar um cilindro de gás nele, provocando uma explosão. Ou, também com a telecinese, parar no ar granadas arremessadas pelo inimigo e devolvê-las a ele. Ou, ainda com esse poder, simplesmente puxar pra si a máscara ou o chapéu do inimigo e arremessá-los de volta, golpeando-o com esses objetos. Outra combinação interessante é atear fogo no inimigo, e quando ele se jogar na água para apagar o fogo, eletrocutá-lo. Se a variedade de combinações dos poderes é grande, com as armas não fica muito atrás. Além de serem vários tipos de arma, cada uma conta com diferentes tipos de munições, que podem ser encontradas, compradas ou mesmo inventadas no decorrer do jogo. É muito interessante, por exemplo, a combinação do poder de incinerar o inimigo (ou flechas explosivas) com o foguete guiado por calor. Bioshock conta também com minijogos inseridos no contexto do jogo. Um é o processo para hackear os equipamentos de segurança, que consiste basicamente em montar um quebra-cabeça com pedaços de tubulações enquanto um líquido escorre por elas. Se não conseguir montar um trajeto adequado rapidamente, o jogador será penalizado com perda de energia ou a ativação do sistema de segurança contra ele. Embora esse processo possa se tornar muito repetitivo devido à enorme quantidade de máquinas dessas no jogo, para hackear cada uma não leva mais que alguns segundos, e com a prática já não se precisa nem pensar muito para montar um trajeto correto. Mas o jogador também pode simplesmente ignorar a máquina ou destruí-la com tiros e poderes. Também pode obter, através de pesquisas, a capacidade de hackear esses dispositivos sem ter que montar esse quebra-cabeça. E essas pesquisas correspondem justamente ao segundo tipo de minijogos de Bioshock, consistindo basicamente em tirar fotos dos inimigos e máquinas do jogo. Isso sim, tende a tornar-se mais cansativo, mais ainda é opcional (embora possa trazer boas recompensas). Um ponto muito positivo do jogo é a possibilidade de salvá-lo a qualquer momento, além de ser salvo automaticamente ao se mudar de uma área da cidade para outra. O jogador também pode ter vários arquivos de “saves” diferentes, se assim desejar. ![]() |
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Bioshock conta apenas com um modo de jogo, a história com um jogador, com 3 níveis de dificuldade diferentes. Mesmo assim, o jogo não se torna muito repetitivo se o jogador procurar utilizar ao máximo as diversas possibilidades de formas de combate. Na verdade, explorar essas diversas combinações de armas e poderes e a possibilidade de preparar armadilhas pode tornar o jogo ainda mais divertido. Por não conter apenas um final, o que é influenciado pelas escolhas do jogador durante a história, há uma grande possibilidade que este se sinta estimulado a jogar tudo novamente, com novas escolhas. A duração do jogo é extremamente variável, dependendo do grau de dificuldade escolhido, habilidade do jogador e do quanto este deseje explorar a cidade. Mas mesmo com todas essas variações, dificilmente alguém reclamaria do jogo ser curto. ![]() Pelo grande enfoque do jogo ser a imersão na história, uma modalidade multiplayer não seria necessariamente obrigatória. Mas com a excelente jogabilidade, os excelentes cenários e enorme variedade de combinações de armas e Plasmids, realmente é uma pena não haver essa opção. Podemos até considerar que seja melhor não ter multiplayer do que ter um modo multiplayer deficiente piorando a impressão geral do jogo, mas com a excelente estrutura e jogabilidade de Bioshock a impressão que se tem é de que não seria necessário muito mais trabalho e criatividade para implementar um ótimo modo multiplayer. Há até diversos elementos na história que justificariam combates em equipes, afinal Rapture é uma cidade em guerra. |